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domingo, 12 de abril de 2015

Servo de Deus Fabiano de Cristo, Irmão Franciscano (1676-1747).


 Trago ao conhecimento dos leitores deste Blog a história de mais um "santo popular": Frei Fabiano de Cristo. Seu nome, infelizmente, é muito associado à doutrina espírita, pois algumas obras e "centros" de seguidores dessa doutrina recebem o seu nome. Porém, isso não passa de um grande e infeliz equívoco. Frei Fabiano na verdade foi um frade da Ordem de São Francisco que viveu entre os séc. XVII e XVIII e que se prodigalizou nos cuidados com os doentes e desamparados. Foi exemplo e modelo de desapego aos bens materiais, de amor por Jesus, de serviço à Igreja e de amor cristão. 


Ao norte de Portugal, numa aldeia chamada Soengas, nasceu a 08 de fevereiro de 1676, Frei Fabiano de Cristo, que no século se chamava João Barbosa. Filho de Gervásio Barbosa e da Senhorinha Gonçalves, formavam uma das muitas famílias de vida simples que ali viviam, dedicadas sobretudo ao cultivo da uva.
De suas cinco irmãs, quatro se fizeram religiosas, o mesmo acontecendo com o único filho da família. Pouco se sabe sobre os anos de infância e adolescência de João. Sabe-se apenas que pela vida simples e pobre que levavam, pouca oportunidade teve de travar contato com os livros.
À procura de algo mais – João Barbosa sabia que o ambiente que o cercava não era resposta aos seus ideais. Sabia que sua família fora, outrora, abastada e que em suas veias corria a nobreza antiga, agora oculta na pobreza. Por ser ambicioso, sentiu logo o desejo de restabelecer a antiga nobreza. Mas não seria em Soengas que isso poderia acontecer. No primeiro instante pareceu-lhe que o melhor caminho seria o comércio. Dirigiu-se então à cidade do Porto, onde as possibilidades se mostravam mais abundantes e ricas. Aí ouvia histórias fantásticas de terras distantes e muita riqueza, deixando o jovem João muito entusiasmado. No final do século XVII, a novidade mais ambiciosa que os marinheiros traziam a Portugal era a descoberta abundante do ouro em Minas Gerais. Assim como muitos, também João viu lá longe, no Brasil, despontar a solução de seus problemas.
João despede-se de seus pais e irmãs e parte para o Brasil numa penosa viagem de meses de balanço no mar e outra não menos penosa por terra, até chegar ao seu destino, na região das promessas douradas: o Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (hoje Mariana) e Ouro Preto. Muita riqueza foi vista, muitos homens arrancavam da terra quantidades enormes de ouro que os tornavam ricos da noite para o dia. Mas, paralelamente à exploração das minas, surge outra fonte de renda: a vida do comércio ou “carreira das minas”. Foi esta a profissão que João escolheu logo que chegou ao Brasil.
Não sabemos exatamente qual a especialidade dos negócios de João. Sabemos apenas que em pouco tempo conseguiu uma respeitável fortuna. A partir de 1704, vamos encontrar João Barbosa com residência fixa na vila de Parati, tocando seus negócios que lhe rendiam bons lucros, mas nunca deixando de manter contato com as coisas de Deus. Assim ligou-se logo ao pároco da vila, auxiliando-o em tudo. Todas as obras de caridade recebiam dele largas quantias em dinheiro, não deixando nunca de ajudar os pobres, que encontravam nele a mão generosa sempre pronta a ajudar.
Os planos de João eram de trabalhar mais alguns anos e regressar a Portugal com suficiente fortuna para alterar a situação de sua família. Mas aí Deus entrou em sua vida de forma diferente e alterou o plano do homem. O trabalho espiritual exercido em Parati foi mudando as concepções de João. Foi sentindo cada vez mais forte o convite à vida religiosa. Hesita. Esperava maior clareza. Algum sinal, talvez. Mas um acontecimento trágico veio pôr fim às suas hesitações. A morte por assassinato de um sócio e companheiro seu, por motivos desconhecidos, fez com que João ficasse profundamente abalado e percebesse como os bens materiais não significam nada diante da grandeza de Deus.
Nesta altura da história, muitas Ordens Religiosas já estavam estabelecidas no Brasil. Examinando-as, pode sentir que nenhuma estava tão de acordo com seus propósitos como a “Ordem Seráfica de São Francisco de Assis”. Porque, como nascera na pobreza, passara depois à riqueza pelo trabalho, queria à luz da fé voltar a ser pobre. E ninguém melhor que Francisco de Assis para guia nesta troca de valores.
O Franciscano - Tomada a decisão, João apresentou-se ao Padre Provincial, no Convento Santo Antônio do Rio, que percebeu imediatamente suas qualidades e, sobretudo, um homem que sentia o chamado de Deus, logo sendo admitido à vida franciscana. Primeiro passo de João: desfazer-se de todos os bens. Dividiu toda a sua fortuna em três partes: a primeira foi enviada a Portugal para a família e para outros acertos; a segunda parte foi destinada às obras de caridade; e a terceira foi distribuída entre os pobres. Assim, a 08 de novembro de 1704, apresentou-se no Convento São Bernardino em Angra dos Reis, e no dia 11 de novembro trocou suas vestes seculares pelo hábito marrom de São Francisco, trocando também seu nome de João para “Frei Fabiano de Cristo”, nome pelo qual é conhecido ainda em nossos dias, pois foi a partir desta troca que ele enveredou pelos caminhos da santidade. Frei Fabiano de Cristo, no tempo de formação, optou por ser irmão franciscano.
No Convento Santo Antônio do Rio - No final do ano de 1705, Frei Fabiano de Cristo recebeu ordens de transferir-se para o Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, com o encargo de porteiro. Aliás, na Ordem Franciscana dava-se particular importância a esta função, pois prescrevia-se fosse ela entregue somente a religiosos de muita prudência, confiança e virtude, após 15 anos de hábito. A nomeação de Frei Fabiano de Cristo era um reconhecimento à sua virtude e confiança, pois estava apenas há dois anos na Ordem. Apesar do bom trabalho exercido por Frei Fabiano na portaria, os superiores pediram, no ano de 1707 ou 1708, que ele tomasse conta da enfermaria. Imediatamente obedeceu e, aqui como na portaria, deu belíssimo exemplo de caridade.
Embora não tivesse preparação especial para esta função, a caridade e o esforço pessoal substituíam as deficiências. Praticamente levava sua vida junto aos doentes, a tal ponto que nem sequer tinha um quarto próprio, por longo tempo, contentando-se em dormir em qualquer lugar da enfermaria, para que, dia e noite, pudesse estar à disposição dos doentes. Só mais tarde aceitou um quarto, mas sempre junto à enfermaria. Assim consumiu quase todo o resto de sua vida, cerca de trinta e oito anos, exercendo sua caridade para com os doentes e idosos.
Enfermidade e morte - Com o passar do tempo, o corpo de Frei Fabiano foi sentindo o peso da idade e dos sacrifícios, na forma de sofrimento físico que o crucificaram por quase 30 anos. A causa inicial destes sofrimentos foi uma erisipela crônica, localizada nas pernas, acentuadamente na esquerda, que mais tarde se transformou numa horrível chaga. Para aumentar estes sofrimentos nas pernas, apareceu-lhe um quisto num dos joelhos, atribuído por alguns ao tempo excessivo que o bom irmão permanecia de joelhos nas suas longas horas de oração.
Jamais se ouviu dele a mínima queixa ou atitude de revolta diante de tanto sofrimento. A única coisa que o atormentava era o fato de não poder mais exercer sua função de enfermeiro. Seu estado de saúde agravou-se muito, já estava ele na casa dos 70 anos. Pressentiu que ia chegando ao fim de seus dias e, conforme dizem, chegou a anunciar aos confrades o dia e a hora de sua morte. No dia 17 de outubro de 1747, pelas 14h, Frei Fabiano de Cristo, rodeado pelos confrades, quase despercebidamente como vivera, parte ao encontro do Pai.
Uma multidão tomou conta do Convento Santo Antônio. Todos queriam se despedir de Frei Fabiano, pois ele era visto como um “santo”, um Servo de Deus. Todos desejavam ver e tocar aqueles restos que representavam a santidade.O local onde estavam encerrados os ossos de Frei Fabiano começou a ser abandonado, terminando por cair em ruínas. Dos cento e tantos religiosos do tempo de Frei Fabiano o Convento não abrigava, em 1870, mais que seis e, aos poucos, o Convento foi se transformando numa espécie de hospedaria até que, em 1885, Dom Pedro II hospedou ali o sétimo Batalhão de Infantaria do Exército. E vieram as depredações e os estragos. A ruína começara um trabalho demolidor, levando consigo a placa de bronze que assinalava o local da urna com os ossos de Frei Fabiano. Assim, quando o batalhão se retirou, ninguém mais sabia o local que se encontrava a urna. Inclusive acreditava-se que a mesma havia sido violada.
O reencontro - Não queria Deus fosse este o fim dos ossos de Frei Fabiano, pois em fins de janeiro do ano de 1924, chuvas fortes e prolongadas, causaram grandes estragos no Rio e em vários Estados. Às três horas da madrugada do dia 2 de fevereiro, com um estrondo terrível, ruiu grande parte do muro, atrás do qual, antigamente, se achava a enfermaria. Em meados de abril, foram iniciadas as obras de reconstrução do dito muro, derrubando a 1° de maio do ano de 1924, o resto do muro que ainda não ruíra. Parte do muro já havia sido derrubado, quando do lado do Convento, de repente, apareceu uma urna de chumbo, cheia de ossos. Imediatamente entregue ao Guardião, este logo ficou convencido de tratar-se dos ossos de Frei Fabiano. Abrindo a urna, encontrou em cima, coberto de cal, um documento em péssimo estado, onde ainda se lia: “Frei Fabiano…….. enfermeiro deste convento…….. Rio……..”.
Resolveram então encerrá-los em uma urna de mármore, com uma pequena abertura lateral, por onde se poderiam ver os ossos. A urna foi colocada numa capela, do lado esquerdo da Igreja do Convento Santo Antônio. E a veneração recomeçou. Em pouco tempo, os fiéis começaram a procurar o santo irmão, como nos primeiros dias após sua morte. Ainda hoje, a procissão de devotos continua a desfilar diante do altar singelo que abriga os ossos de Frei Fabiano. De todos os cantos do Brasil chegam cartas comunicando graças e pedindo lembranças do santo irmão que, pequeno na terra, continua no céu uma presença benéfica, atestando como Deus é magnífico em seus santos, pois neles manifesta sua imensa misericórdia e sua paterna solicitude de ajudar os homens pelos homens.


Frei Hugo Baggio, ” Frei Fabiano de Cristo”, 1974.

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